O Carbunculus de Plínio

RUI OLIVEIRA, 2005

      A exploração mineira e a transformação da matéria-prima, independentemente das suas características minerais, promovem riqueza e, consequentemente, aumentam o nível sócio- -económico das comunidades directa ou indirectamente envolvidas. Parece-nos, assim, haver interesse em coligir, num relance fugaz, algumas notas sobre os vestígios das antigas explorações mineiras no Monte Suímo, que integra o sistema orográfico da Carregueira, nos seus três aspectos fundamentais, a saber: na História, na Tradição e Toponímia.

      Vamos então à História! – As primeiras notícias, escritas, sobre a exploração destas minas, datam do tempo da Romanização e são citadas por Plínio, o Naturalista, cuja obra foi escrita na década de 70 d.C.. Conta-nos este Autor Clássico, referindo escritos de um tal Cornelius Bocchus (Plin. 37,24), que no termo de Olissipo, se extraia o Carbunculus, com grande dificuldade por causa da argila do solo ressequida. O termo Carbunculus designa genericamente uma pedra semipreciosa de cor rubra. Santo Isidoro (GUERRA,1995, p.140) diz que é a principal de entre as gemas ardentes e que se chama assim por ter a cor de carvão, correspondendo ao grego ántrax. Plínio refere duas espécies: o carbunculus candidus e o nigrioris aspectus. Ambas a designações aplicam-se à granada Almadina, simples piroxena, composta maioritariamente por sílica, ferro e alumínio.

      A intensa exploração e sequente vitalidade económica na época romana do Suímo legaram- -nos, entre outros vestígios, parte do troço de uma antiga via romana, que certamente integrava-se na rede viária da zona Oeste do Município Olissiponense (BIYRNE,1993, pp. 41-45). O troço, relativamente bem conservado com cerca 600 metros, entre a ribeira do Jamor e o pórtico quinhentista da Quinta do Bom Jardim, é em tudo semelhante a outros existentes na região, independentemente de pertencerem à mesma via. Esta calçada é constituída por pequenas pedras (entre os 5 x 20 cm e 10 x 30 cm), alinhadas longitudinalmente; ladeando a via, há lajes cujas dimensões são próximas de 50 x 50 cm (na secção A-I, ao qual se reporta a foto, as lajes laterais, do lado esquerdo, confinam directamente com afloramentos calcários das Camadas de Almargem — C¹A — do Aptiano Inferior; as lajes do lado direito foram inclusas na construção do muro da propriedade construído no Século XVIII). O modelo de construção acima descrito é típico das calçadas medievas. Porém, os numerosos vestígios arqueológicos de villae romanas ao longos dos vários troços conhecidos, bem como as lajes que ladeiam a via, na melhor da tradição construtiva romana, levam-nos a supor a sua origem na época romana, com posteriores reparações em diferentes épocas.

      Segundo Paul Choffat (CHOFFAT,

1914, p.187), os quatro fossos (na actualidade apenas restam dois: Mina Grande e Mina Pequena, e muito preenchidos por entulhos e vegetação) resultantes da exploração romana, a céu aberto, não passaram despercebidos em séculos posteriores. Em obras de cariz geográfico e económico, de Autores Árabes dos séculos X e XII, alcançamos novas notícias do lugar e das minas. A mais antiga, a Geografia de Ahmede Arrazi (PROVENÇAL, 1953) datável do século X, referencia uma localidade com o topónimo de Ossumo, entre Lisboa e Sintra. Outra obra datável do século XII, atribuída a Yacute, cita uma “cidade” denominada de Munt Assum e/ou Munt Axyum; a montanha na qual se encontram pedras barâd (fosforescentes) que brilham de noite, como afirma a Geografia de Al-Údri (COELHO,1972). Este topónimo surge grafado de forma variada em alguns códices (cfr. LINDLEY CINTRA, 1954, p.67) mas reportando-se sempre ao mesmo local isto é: ao Monte Suímo. As constantes referencias, em escritos de cariz geográfico, à localidade do Suímo só podem ser entendidas no contexto de importância económica e populacional que manteve, continuamente, durante séculos.

 

 

      Vários autores referem que as minas voltaram a ser exploradas logo após a Reconquista de Lisboa aos Mouros, em 1147. A exploração sempre ligada à Coroa (directa ou indirectamente) terá perdurado durante toda a Idade Média. O certo é que no inventário dos atavios do Infante D. Dinis, em 1278, figuravam: «onze pedras jagonças [designação arcaica de Jacintos] de belas almandinas». Porém, desconhece-se em que circunstância foi feita a exploração mineira no Suímo durante a época medieva portuguesa. Sabe- -se apenas que D. Brites, Senhora de Belas e filha do Infante D. João e D. Isabel (D. João, filho de D. João I, e D. Isabel, neta de D. Nuno Alvares Pereira), em 1499, legava as minas do Suímo a seu filho D. Manuel I por: «as julgava tão importantes que, fazendo doação da Quinta e Senhorio de Belas a Rodrigo Afonso de Atouguia, reservou para si as Minas do Suímo, e por sua morte, em 1506, as deixou em legado a seu filho, El-Rei D. Manuel» (PEREIRA e DIAS, 1906,V. II, pp.269/70). A data do abandono da exploração mineira é completamente desconhecida; no século XVI já não eram exploradas apesar de serem citadas em obras de autores quinhentistas como o grande Garcia de Orta, nomeadamente no seu Colóquio dos Simples, Drogas e Coisas

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