TRAJO SALOIO

 

Contribuição do Grupo Folclórico e Cultural da Rinchoa – Sintra

 

Cerca dos anos de 1790 a 1836, a Saloia, espertalhona, astuciosa e petulante, enfeitiçava com os seus encantos pessoais, sua alegria saudável e agreste e graça natural no modo de vestir, os casquilhos de Lisboa, quando vinha entregar às freguesas espartilhadas, a roupa bran­queada à força de coloreto, ou vender-lhe queijos, ovos, galinhas e os primores dos hortejos e pomares.

Era vê-la lesta, janota e vistosa, de rosto sadio tisnado pelo sol, bochechas maciças e vermelhuscas, com a sua andaina (conjunto de peças de vestuário), fresca, num conjunto harmonioso: a saia de seriguilha, pouco ro­dada comprida quase tocando o chão, de cor fulva e barra escarlate, que solfraldava em refegos e arre­panhos para melhor se acomodar nos grosseiros albar­dões dos pa­cien­tes jumentos que em trote miúdo ou passo trava­dinho a conduzia até à cidade de Lisboa. Cingida ao corpo, a modelar-lhe o busto e a soerguer-lhe os seios firmes, a vasquinha, de tons flamantes, púrpura ou alanranjado, com bandas de cetim azul pa­vão, toda fe­cha­da até ao pescoço; mangas terminando a dois terços do braço, e botões nos punhos e no peito; inverno fora, quando o frio aperta, lançava pelos om­bros o mantéu de baetão verde, de rebuço e sem pre­gas, tendo como atavio o debrum de fitilho (fita estreita geralmente de veludo), cor-de-rosa ou carmesim.

Não dispensava as pesadas botifarras de cano alto, de cabedal escuro ou coiro atanado, grosseiro e crespo.

O mais bizarro deste inconfundível trajo, era a "cara­puça", espécie de crista atrevida das pintainhas ou ga­linhas da Índia.

Esta cobertura pitoresca, constituía para a saloia a sua maior gala. Era adornada na frente com tecido de cor garrida e calçava um lenço alvadio; este por sua vez, sobreposto por um outro lenço de cabeça, enramalhe­tado com enfeites sarapantões num fundo róseo listado de uma cor magenta.

 

A saloia aconchegava-o à cara, deixando livre o pente­ado, apartado a meio, donde pendiam as riçadas mele­nas.

Dobrava-o em diagonal e atava-o graciosamente sob o queixo, em duas laçadas pendentes na frente, lem­brando as orelhas tombadas das marrãs.

O lapuz ou homem do campo, da grei saloia, de média condição quando se ataviava a rigor, nos dias solenes ou de ver a Deus, era dum requinte irrefragável no garbo simplório do vestuário, com pormenores extrava­gantes: niza (jaquetão) de saragoça cor de pinhão, ajustado e muito curto; camisa alva (branca), com grandes e espetados colarinhos sem goma, entaipando-lhe as orelhas e os matacões; a rogueira acatitada com tufos e bordados desajeitados.

Calções de burel (tecido grosseiro em lã), ou de surro­beco azul, golpeados na costura exterior da perna e ornados com guarnições de botões, muitas vezes de prata. Meias de lã branca, feitas do novelo, aos serões; apertadas sempre com nastros de ourelo encarnado, um pouco acima da barriga da perna.

Em redor da cintura, uma faixa preta ou vermelha de muitas voltas para comprimir o estômago e suster os calções.

Botas de cano alto de biqueira adelgaçada e tromba erguida.

Na cabeça, como apanágio, um ostentoso chapéu de copa alta (cartola), "Coscujeiro" na termi­nologia ar­caica, "zabumba" de pêlo de castor, estreitamente es­trangulado na parte média.

O Saloio colocava-o com deselegância (às três panca­das), atirando-o para a nuca num negligente menos­prezo.

Acompanhava-o sempre a "Racha" ou varapau de mar­meleiro rijo, não só quando ia às feiras da Malveira, das Mercês ou de São Pedro de Penaferrim, ou até quando ia de visita ao compadre, ou procurava a futura "pa­troa", para com ela estabelecer acordos sentimentais.

 

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