BOLETIM

 

NÚMERO ESPECIAL

 

Fevereiro de 2000 a Abril de 2004 – N.º 3 – 2ª Série

 

 

ESPÉCIE, CASTANEA SATIVA MILLER

Quinta do Castanheiro, Sintra

 

 

SINTRA 2004

 

 

Associação de Defesa do Património de Sintra

 

APARTADO 1017 – Sintra Vila 2711-801 SINTRA

 

 

Distribuição Gratuita

 

 

 

 

ÁRVORES, FLORESTAS

E

DEVASTAÇÃO ECOLÓGICA

 

            A interdependência entre as árvores e a vida humana e animal manifesta-se desde logo no facto de necessitarmos, para viver, de respirar oxigénio e expirar dióxido de carbono, enquanto as árvores e as outras plantas reciclam o ar absorvendo dióxido de carbono e produzindo oxigénio. A existência de zonas arborizadas nos meios urbanos conduz a uma melhoria do ar ambiente e à diminuição da respectiva temperatura.

            As árvores desempenham também, em consequência do que se referiu, uma função essencial nos factores climatéricos, absorvendo o dióxido de carbono proveniente sobretudo das actividades humanas, evitando-se assim o sobreaquecimento da atmosfera, - o tão propalado “efeito estufa”: fenómeno derivado da acumulação de dióxido de carbono, que concentra o calor solar, impedindo-o de se expandir para o topo da atmosfera e depois escapar-se para espaço exterior.

            Por outro lado, as florestas, designadamente as tropicais, absorvem a chuva e espalham a humidade, provocando a sua rápida evaporação para a atmosfera. Constitui-se assim um ecossistema em que a vegetação mantém um ciclo de absorção da chuva, evaporação, condensação e formação de nuvens, originando-se de novo mais precipitação. Ainda a floresta e a vegetação impedem não só que os raios solares incidam directamente sobre o solo, crestando-o, mas também que a chuva o fustigue, escorra pela sua superfície, arraste a camada de humos e provoque a erosão das terras.

            Os fogos, as chuvas ácidas, a erosão, a utilização de madeira nas indústrias das celuloses, na construção, ou como combustível térmico e ainda o desaparecimento de enormes extensões florestais para darem lugar a campos de cultivo ou a pastagens, estão a provocar a diminuição das áreas florestais, nomeadamente na Amazónia, a um ritmo anual assustador estimado em mais de 200.000 quilómetros quadrados. Uma área duas vezes superior à superfície de Portugal!

            Segundo estudos efectuados por biólogos nos anos 80, existiam cerca de 30 milhões de espécies nas florestas tropicais da América do Sul e Central. Mas, por outro lado, apenas estão inventariados três milhões do total das espécies do globo, as quais constituem cerca de 5% da diversidade biológica total. Daquela, 70% situam-se nas florestas.

            Sendo a floresta o grande purificador do ar da Terra e o principal reservatório da biodiversidade, a destruição massiva das suas áreas, além de provocar enormes distúrbios ecológicos,  priva-nos de conhecer as potencialidades que representariam, para a vida no nosso planeta, as 6.000 espécies de plantas e de animais que desaparecem todos os anos da sua face. Por exemplo: os laboratórios de farmacologia utilizam moléculas na fabricação de medicamentos, dois terços das quais são extraídas de plantas. A deflorestação impossibilita a descoberta de medicamentos que no futuro poderiam ser necessários para tratar doenças e evitar ou combater epidemias.

            A avassaladora devastação florestal e a poluição industrial e urbana estão a provocar, através do já referido “efeito estufa”, o aumento da temperatura terrestre, causador da perturbação nos intercâmbios atmosféricos que estará na origem da maior frequência e amplitude dos ciclones, dos tufões, das chuvas torrenciais e das secas, trazendo calamidades a várias zonas do globo. Temos presente os danos humanos e materiais que os temporais recentemente causaram na Venezuela, no Vietname, nos Estados Unidos da América ou em França. As chuvas diluvianas que desabaram sobre Moçambique espalharam a morte, o sofrimento humano, as epidemias e a miséria. Destruíram cidades, vilas, aglomerados, vias de comunicação e as culturas agrícolas. A consequência dessa catástrofe faz com que Moçambique, considerado um dos países mais pobres e que estava a conseguir ultrapassar essa situação, veja essa recuperação ficar atrasada mais algumas décadas. Outras vezes, as referidas perturbações ocasionam anos de seca, em vários países, provocando similares calamidades sociais e económicas.

            Durante séculos o homem, primeiro, caçador e nómada, depois agricultor, viveu em harmonia com a natureza. Temida pelos seus fenómenos naturais, é sobretudo considerada a grande mãe sagrada em consequência da sua fertilidade constituir uma dádiva para a sobrevivência dos homens. Ela representa também o sítio onde nasceram, onde vivem e repousam os seus antepassados e em cujas florestas encontram abrigo. Nessas épocas, (e ainda hoje alguns povos, nomeadamente os índios),  os homens relacionaram-se sabiamente com natureza, porque aprenderam que ela tem os seus frágeis sistemas de sobrevivência e que a preservação destes é essencial para a subsistência da vida. Não se apartaram da natureza, apreenderam a interdependência ecológica e aquilo que a perturba.

            É sobretudo a partir do século XIX, com o avanço das descobertas científicas, o aparecimento das tecnologias mecânicas e a crescente industrialização, que o domínio da natureza se tornou num dos paradigmas do desenvolvimento e que os seus recursos passaram a ser explorados incontroladamente. A sociedade e o mercado global alheiam-se da preocupação em manter os equilíbrios ecológicos.

            A nossa civilização enfrenta pois estes paradoxos:

            - Nunca o conhecimento foi tão vasto em todos os domínios, no entanto desconhecem-se muitas das consequências da interferência humana na natureza. É enorme a nossa ignorância em relação à complexidade do Universo;

            - Introduzem-se novas tecnologias, entre outras a manipulação genética, antes de se conhecerem o seus resultados, para depois, muitas vezes, ter que se retroceder face ao irremediável;

            - A sociedade e o mercado  são globais, contudo não é nessa perspectiva que se pensam os graves problemas ecológicos, quando os factores que afectam a natureza são iminentemente globais.

São incomensuráveis os contributos da ciência e da tecnologia para a melhoria do bem estar e da saúde dos homens, sobretudo para aqueles que vivem nos países desenvolvidos. A questão não está no progresso que se atingiu, situa-se no problema do homem ter deixado de pensar que está integrado na natureza, faz parte dela e sobrevive graças aos seus complexos sistemas interligados ainda se manterem.

            O homem nos seus empreendimentos, tem que equacionar a interferência na natureza como a questão principal. Caso contrário, arrisca-se a deteriorar drasticamente as suas condições de vida, a comprometer a sobrevivência futura da humanidade e a cair no maior dos paradoxos: para os animais e para os vegetais a sobrevivência das respectivas espécies é a razão da sua existência. Toda a sua actividade é direccionada visando essa sobrevivência: os animais disfarçam-se, transformam-se, percorrem distâncias e obstáculos inconcebíveis, escolhem os parceiros mais robustos para procriarem e garantirem a subsistência da espécie; as plantas desenvolvem as características mais adequadas para a sua proliferação, a maior parte, através de sementes. Será que o homem da era da mundialização se distanciou tanto do ser humano que já não pensa na sobrevivência da humanidade?

            Respeitemos a natureza e em comunhão com ela conservaremos a permanência da humanidade na nossa magnífica Terra-Pátria comum.

L.O.S.

 

 

NÃO VIVA NO SEU NATAL A MORTE

DA

NOSSA FLORESTA

Não compre nessa quadra

Pinheiro ou Azevinho Natural

PROTEJA E CONSERVE

A NOSSA FLORA

(O arranque e venda de Azevinho encontra-se proibido por lei – DL.423/89 de 4 de Dezembro)

Uma iniciativa da: ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO PATRIMÓNIO DE SINTRA.

 

 

 

APONTAMENTOS

 

AGRICULTURAS TRADICIONAIS E INTENSIVAS

ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E ECOLÓGICAS

            O modelo produtivista da economia, tanto no sistema capitalista, como no soçobrado sistema comunista, consiste na produção da maior quantidade, a baixo custo e no menor prazo. Desta forma, os produtos tornaram-se acessíveis a camadas cada vez mais vastas da população, sobretudo aquela que vive nos países desenvolvidos. Pois, relativamente aos terrível flagelo da fome de que padecem mais de 1.000 milhões de seres humanos, o enorme aumento da produção não contribui para minorar esse sofrimento atroz.

             O produtivismo em relação à agricultura veio a implicar a sua exploração intensiva, a mecanização das tarefas, a utilização massiva de fertilizantes, de herbicidas, de insecticidas e ultimamente o começo do recurso a sementes geneticamente manipuladas. O emprego de toda esta panóplia de produtos artificiais está a ter como consequência a correspondente agressão ecológica: os terrenos ficam incapazes de se regenerarem e tornam-se áridos, os recursos hídricos são contaminados, os trabalhadores que utilizam os referidos produtos sofrem efeitos nefastos na sua saúde, muitos consumidores são atingidos pela toxicidade dos alimentos ingeridos. Do impacte de todos estes factores podem resultar consequências imprevisíveis, nomeadamente para a sustentabilidade futura dos ecossistemas.

             A rentabilidade desta agricultura pressupõe que seja praticada em áreas extensas, bem como a existência de uma estrutura empresarial, sendo a monocultura frequente, o que constituiu outro factor negativo para a regeneração dos solos.

             Todas estas condicionantes estão a inviabilizar as pequenas explorações rurais, cultivadas tradicionalmente, em que o trabalho braçal tem um peso relativo muito maior. Pouco estruturadas e dimensionadas para poderem colocar seus produtos nos grandes mercados, vêem-se assim incapacitadas de competir com as empresas agrícolas industrialmente organizadas e simultaneamente com a concorrência estrangeira.

             Verifica-se assim a marginalização dos pequenos agricultores e dos camponeses, o seu êxodo dos meios rurais para os centros urbanos, o decréscimo dos habitantes nos lugares, a desarticulação das comunidades, a desertificação do interior, e todo o conjunto de consequências sociais resultantes destas alterações. As courelas ficam entregues ao abandono, o ecossistema formado pelo cultivo das terras destruído, a paisagem rural degradada. Para o consumidor que prefere produtos obtidos por meios menos artificiais, passou a ser mais difícil onde os encontrar.

             Contudo, a decadência das pequenas unidades poderia ser contrariada se existisse um espírito associativo entre os proprietários que dinamizasse uma cooperação estruturada para planear a execução em conjunto dos trabalhadores agrícolas e a utilização dos equipamentos, e eventualmente a criação de pequenas indústrias agro-alimentares. Igualmente a sua força negocial seria desta forma acrescida, quer para a colocação dos produtos no comércio, quer para ombrearem com os grandes empresários agrícolas na reivindicação dos seus direitos junto dos organismos governamentais.

L.O.S.

O agricultor tradicional é herdeiro de saberes e valores indispensáveis aos equilíbrios ecológicos e sociais.

 

REI ARTISTA, REI ESQUECIDO...

NOTAS SOBRE A VIDA E A OBRA DE D. FERNANDO II

 

«Um pouco menos rei que os seus predecessores, rei apenas por afinidade, esta circunstância tornava-o simpático, e D. Fernando fez uma impressão nova e benigna. Alto, magro, louro, quase imberbe, educado como um bom aluno da Universidade de Heidelberg pelo seu preceptor, o conselheiro Dietz, o novo príncipe falava correctamente as línguas, cultivava com talento a música, desenhava, pintava, gravava a água-forte, e fazia do sabão e da roupa branca um consumo quotidiano - dissipação heliogabálica sem precedentes na corte portuguesa, onde a senhora D. Carlota Joaquina, de acordo com o seu augusto esposo, havia estabelecido como regra invariável a incompatibilidade do banho com a gravidade régia.»

Ramalho Ortigão, As Farpas.

I - Chegada a Portugal.

D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha (1816-1885) casou por procuração com a Rainha D. Maria II (1819-1853) a 1 de Janeiro de 1836, tendo chegado a Portugal no dia 8 de Abril de 1836 e casado em pessoa com a Rainha no dia seguinte ao da sua chegada. Quando celebraram o seu casamento, D. Maria II e D.Fernando II tinham 17 e 19 anos, respectivamente.

Sabe-se hoje que D. Fernando II se viu obrigado pela sua família a casar e ser monarca. Isto está abundantemente comprovado na correspondência familiar de D. Fernando, que se encontra dispersa por várias bibliotecas e arquivos da Europa, sendo também provável que algumas dessas cartas estejam em Portugal, nas mãos de particulares, porque a figura deste monarca tem suscitado ao longo dos tempos uma espécie de culto secreto, cultivado através do coleccionismo de objectos de arte que pertenceram a D. Fernando ou que foram da sua lavra, bem como de cartas particulares e de abundante iconografia (retratos, litografias, bustos, etc.) O cariz mais ou menos secretista deste culto estará provavelmente associado às práticas esotéricas em que D. Fernando se terá envolvido, práticas essas de que restarão, na opinião dos entendidos, alguns vestígios na configuração arquitectónica do Castelo-Palácio da Pena.

A vinda de D. Fernando II para Portugal dá-se em circunstâncias muito complexas. Em meados da década de trinta, o nosso país vive numa situação de grande instabilidade. Antes de casar com D. Fernando, D. Maria II casara com outro príncipe alemão, D. Augusto de Leuchtenberg, em Janeiro de 183 5. Mas este príncipe viria a falecer logo em Março do mesmo ano. Ora Portugal precisava de consolidar rapidamente a Monarquia Constitucional, que saíra vencedora da Convenção de Évora-Monte, assinada em Maio de 1834.

Assim, a escolha de Fernando de Saxe-Coburgo Gotha para casar com D. Maria II deve-se à conjugação de vários interesses: o seu tio era o Rei Leopoldo 1 da Bélgica, e foi este quem pressionou os Duques de Saxe-Coburgo Gotha (pais de D. Fernando) para que o casamento se efectuasse. Por detrás deste interesse do rei belga terá estado o interesse da Bélgica nas nossas colónias. Por outro lado, a escolha de D. Fernando era bem vista pela Inglaterra e pela Alemanha, pois o príncipe alemão, descendente de uma família ligada às grandes famílias reais europeias (era primo direito da Rainha Vitória de Inglaterra e do Príncipe Alberto), estava em condições de manter em Portugal um constitucionalismo moderado, que não virasse à esquerda, e que contraísse empréstimos junto das grandes nações europeias e assegurasse o pagamento dos mesmos.

Provavelmente devido a estes interesses estrangeiros, o contrato matrimonial assinado por D. Fernando II nomeava-o comandante em chefe do exército (como já acontecera com o primeiro marido de D. Maria II...). Esta cláusula do contrato foi mantida em segredo durante algum tempo, e gerou uma forte contestação quando foi tornada pública. Um dos exemplos da ingerência de Leopoldo I da Bélgica e de várias potências europeias nos primeiros anos do reinado de D. Fernando II terá sido o da alegada colaboração de D. Fernando na «Belenzada» - uma tentativa de golpe de estado palaciano, ocorrida logo em Novembro de 1836, em que D. Maria II tentou demitir o governo setembrista e substituí-lo por um governo cartista. Apesar de este golpe ter falhado, tem sido apontada a possibilidade de as diplomacias inglesa e francesa o terem apoiado, interessadas que estavam na manutenção de um constitucionalismo moderado em Portugal.

II - Assunção da condição de monarca, adaptação à realidade portuguesa e intensificação da actividade cultural.

A educação de D. Fernando II não contemplara qualquer preparação político­-militar, pois não estava nos horizontes deste príncipe o exercício da função de soberano. A sua educação fora mais academizante e contemplara sobretudo a formação artística, mormente nas áreas do desenho, da pintura e da música. A sua formação literária e humanística era também muito rica, o que viria a reflectir-se na educação dada aos seus filhos. D. Fernando estava ainda muito marcado pela mentalidade romântica que predominava na Alemanha de então, o país que é hoje apontado como o verdadeiro berço do Romantismo.

Estes aspectos da personalidade de D. Fernando teriam um duplo efeito na adaptação de D. Fernando a Portugal: por um lado, o jovem príncipe estranhou bastante a realidade política e social do país que o acolheu, - mas por outro lado a sua sensibilidade romântica depressa se deixou impressionar pelas tradições mais antigas do país, pela paisagem meridional, pelos aspectos da nossa cultura que pareciam mais exóticos aos olhos de um germânico (como por exemplo as touradas, de que se tornou um aficcionado).

De qualquer modo, o assumir da sua nova condição e da sua nova Pátria terá sido difícil. É isso que parece transparecer numa carta enviada em 1842 ao seu tio Ernesto 1 em que revela o seu desacordo face à hipótese de o seu irmão Leopoldo vir a casar com a Rainha Isabel II de Espanha:

«Trata-se de saber se o nosso querido Leopoldo se tornaria feliz e se o sacrifício que ele com isso faria não lhe seria penoso durante a maior parte do tempo. Trata-se de saber se Leopoldo estará à altura deste papel nada fácil, e se ele sentirá a vocação necessária, porque tal passo não deveria ser obtido dele pela força, mas ele deveria fazê­-lo com a devida convicção. »

Carta do Arquivo Estatal de Coburgo. 1

Porém, a adaptação de D. Fernando a Portugal vai correr melhor do que este esperara. 0 seu relacionamento com D. Maria II é bastante bom, de tal modo que o casal gerará 11 filhos. Além disso, D. Fernando nunca se sentiu incomodado com a chacota de que foi alvo durante os seus primeiros anos em Portugal. Faziam-se quadras populares em que se parodiava a fisionomia e a indumentária do Rei, considerada extravagante. O povo chamava-lhe Zé Nabo, porque D. Fernando só começou a usar barba em 1847, e como era muito pálido e a sua face era muito alongada, a sua cabeça era comparada a um nabo. Rafael Bordalo Pinheiro inspirou-se nesta alcunha e publicou n'O Procurador dos Povos uma caricatura em que o Rei aparece com uma cabeça de nabo... Parece que o Rei se deleitava com estas jocosidades e até musicava as quadras que lhe faziam, tocando-as ao piano no Palácio das Necessidades perante os seus convivas...

O actor Carlos Santos, filho do actor José Carlos Santos, que foi amigo de D. Fernando, evoca assim a figura do caricatural monarca:

«Em Sintra (..) revejo nitidamente a frequente aparição, por espectaculosa, de El-Rei D. Fernando, (..) num pequeno landeau de verga, tirado por dois ponies miniaturais, de tal sorte que este estranho conjunto mais engrandecia afigura, já de si agigantada, do Rei Artista. (..) A sua alentada estatura e espectaculosa indumentária de tirolês, calção tufado que, do joelho para baixo, embebia numas polainas de anta assertoadas, e o chapéu cónico de feltro, a que punha remate uma tremulante pena de pavão, davam-lhe o aspecto estranho duma personagem de opereta, um tanto ou quanto caricatural ... »

 O que contribuiu bastante para a adaptação de D. Fernando II a Portugal foi a construção do Castelo-Palácio da Pena. Foi em 1838 que o rei comprou, em hasta pública, o abandonado mosteiro dos monges de São Jerónimo, também conhecido por convento de Nossa Senhora da Pena, em Sintra, no local donde outrora D. Manuel avistara as naus de Vasco da Gama regressando da índia, durante uma jornada de caça. Na altura em que decorreu a hasta-pública, era atribuído tão pouco valor àquele já então monumento nacional, que D. Fernando pode adquiri-lo por apenas 600.000 reis, o que era uma soma muito baixa, mesmo naquela altura, atendendo ao real valor do imóvel. Além do monarca, só concorreu ao leilão um proprietário local que queria aproveitar a alvenaria dos muros do mosteiro em ruínas para a construção de umas paredes. No ano seguinte, D. Fernando adquiriu também o Castelo dos Mouros, então arruinado, no qual se inspirou para a concepção arquitectónica do Palácio da Pena.

A construção do Palácio da Pena decorreu entre 1839 e 1849, e foi planeada e dirigida pelo Barão Eschwege (um engenheiro alemão há muito radicado em Portugal) e pelo próprio D. Fernando II, que desenhou partes importantes daquele valioso conjunto arquitectónico e acompanhou passo a passo a sua construção, chegando por vezes ao ponto de mandar derrubar partes inteiras acabadas de construir, por estas não quadrarem bem com os seus planos. Nas referências arquitectónicas que inspiraram aquele palácio, D. Fernando evidenciou um conhecimento muito aprofundado da história e do património arquitectónico portugueses, surpreendente num homem que, à data da conclusão das obras na Pena, chegara a Portugal há apenas 13 anos. Nos vastos terrenos incultos que rodeavam o Palácio, D. Fernando mandou plantar um jardim único no mundo pelo exotismo e diversidade da flora que o compõe. Para o auxiliar nesta tarefa, o rei instalou em Portugal como director do Jardim Botânico da Ajuda, em 1839, o biólogo Friedrich Welwitsch, um austríaco que se notabilizara pela descoberta de importantes espécies botânicas em África e que foi um dos maiores botânicos do século XIX.

Mas o interesse de D. Fernando II pelo património histórico-arquitectónico

nacional não se limitou à construção do Castelo-Palácio da Pena e ao restauro do Castelo dos Mouros. Logo em Novembro de 1836, poucos meses depois da sua chegada a Portugal, D. Fernando desloca-se ao Mosteiro da Batalha, que se encontrava à beira do desmoronamento, e que servia de pedreira à população local, que dali retirava pedras para a construção de paredes e para o enchimento de caboucos... E com uma verba retirada da dotação anual a que D. Fernando tinha direito, de acordo com o estipulado no contrato matrimonial (cerca de 100 contos), que o Mosteiro da Batalha será inteiramente restaurado. Seguir-se-ão, entre outros, os restauros do Convento de Cristo, em Tomar, dos Jerónimos, da Torre de Belém, da Sé de Lisboa e do Convento de Mafra, todos beneficiando do mecenato de D. Fernando, além de importantes incentivos para os restauros da Sé Velha de Coimbra, do Castelo de Guimarães, do Convento de Lorvão, do Mosteiro do Paço de Sousa, ou do Mosteiro de Santa Maria de Almacave, em Lamego.

Será, sobretudo, a partir de 1851 que a aclimatação de D. Fernando II a Portugal se solidificará, pois será a partir daqui que o País encontrará uma maior estabilidade política, com a Regeneração. Alguns historiadores consideram que a segunda metade do século XIX se caracteriza pelo estabelecimento de uma nova ordem internacional, em que o acentuar dos nacionalismos leva a que as nações europeias deixem de intervir tanto nas políticas internas alheias. Tal facto deve ter permitido que D. Fernando II fosse menos permeável a pressões externas, sobretudo às que lhe eram movidas pelo seu tio Leopoldo I. Acresce que D. Fernando acompanhou com muito interesse a carreira de um outro parente seu, o seu primo D. Ernesto II, um dos grandes promotores do movimento liberal na futura Alemanha, que se destacou pelo incremento de medidas progressistas dentro do seu ducado. Este interesse poderá ter influenciado a atitude conciliadora de D. Fernando face ao movimento político-militar liderado pelo Marechal Saldanha que instituiu a Regeneração, em Abril de 1851.

Foi precisamente esta revolta que marcou o princípio e o fim da carreira militar de D. Fernando II. Obrigado pela sua posição de comandante em chefe do Exército a deslocar-se até Coimbra, liderando uma divisão de soldados que deveria fazer frente às tropas do Marechal Saldanha, o Rei, - ou movido pela sua manifesta impreparação militar, ou agindo deliberadamente de molde a permitir o avanço triunfal dos revoltosos, - ordenou a retirada das suas tropas para Lisboa. Assim, as facções mais conservadoras interpretaram a medida do Rei como um acto de cobardia devido à falta de espírito guerreiro de Sua Majestade, ao passo que os adeptos do movimento vitorioso aplaudiram o bom senso do Rei, por este ter evitado uma luta entre portugueses.

III - D. Fernando II e a união ibérica.

Em 1862 fora oferecida a D. Fernando a coroa da Grécia, que este rejeitou de imediato. Mais tarde, em 1868 foi-lhe oferecida a coroa de Espanha, e as diligências movidas nesse sentido mantiveram-se até 1870, data da morte do General Prim, que comandara uma revolução em Espanha, depondo Isabel II e oferecendo o trono a Amadeu de Sabóia. D. Fernando correspondeu-se com o General Prim, mas nunca aceitou a sua proposta.

A rejeição do trono de Espanha foi interpretada pelos iberistas - (influenciados pelos exemplos da unificação da Itália [1859-1861] e da Alemanha [concluída em 1871] ) como uma traição, e culpou-se a Condessa d'Edla pelo fracasso das negociações. Dizia-se que D. Fernando não aceitara o trono porque fora negado à Condessa d'Edla o estatuto de Rainha. Porém, D. Fernando exigira várias vezes que uma cláusula contratual estabelecesse que nunca o Rei de Espanha poderia ser Rei de Portugal, e vice-versa, e terá sido esse o motivo que não permitiu levar a bom porto as negociações diplomáticas.

De resto, é pouco provável que alguma vez D. Fernando tenha considerado a sério a hipótese de ser Rei de Espanha, pois em algumas cartas aos seus familiares zomba dos espanhóis, censura os iberistas e manifesta um sentimento anti-castelhano próprio do mais arreigado portuguesismo.

IV - Casamento de D. Fernando II com a Condessa D'Edla.

Elise Hensler (1836-1929) tinha 33 anos quando casou morganaticamente com D. Fernando II, que já tinha 53 anos em 1969, quando se deu o seu segundo casamento, sem que se procedesse a qualquer divulgação pública da data da cerimónia.

O casamento levantou grande polémica, apesar de os filhos de D. Fernando o terem aceitado. Elise Hensler foi feita Condessa d'Edia por D. Ernesto II, primo do rei, a pedido deste.

Elise Hensler, cantora lírica suíça, chegou a Portugal em 1859, onde actuou no Porto, no Teatro de S. João, tendo conhecido D. Fernando em 1860, quando actuou no palco do São Carlos. D. Fernando estava viúvo de D. Maria II há sete anos.

V - Relações de D. Fernando com artistas e intelectuais da sua época.

- Subsídios para viagens de estudo à França, Itália e Holanda atribuídos a: Manuel Bordalo Pinheiro, Columbano Bordalo Pinheiro, Francisco José Resende, José de Brito e outros.

- Compras sucessivas de quadros a artistas como: Silva Porto, Cristino, Metrass, José Rodrigues, Meneses e outros.

- Atribuição à Academia das Belas Artes de Lisboa, entre 1865 e 1868, de um subsídio de 65 contos anuais.

- Protecção dada a vários músicos, ora através de idas aos concertos, chamando a atenção da Imprensa e do público, ora através do mecenato, como no caso de Viana da Mota, protegido de D. Fernando que, após a morte deste, continuou a ser apoiado, por largos anos, pela Condessa d'Edla.

- D. Fernando nomeia Alexandre Herculano director das Bibliotecas Reais da Ajuda e das Necessidades, em 1839, pagando o ordenado deste do seu próprio bolso. Herculano manteve sempre uma relação estreita com D. Fernando II, mesmo quando se retirou para Vale de Lobos, onde colhia semanalmente uma cesta de frutas que enviava ao Rei.

 

MINI-CRONOLOGIA

 

1834 - Maio: Convenção de Évora-Monte.

- 1 de Dezembro: D. Maria II casa por procuração com D. Augusto de Leuchtenberg, da família real da Baviera.

1835 - 26 de Janeiro: D. Maria II casa em pessoa com D. Augusto.

- Março: morre D. Augusto sem deixar descendência.

1836 - 1 de Janeiro: D. Maria II e D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha casam por procuração.

- 8 de Abril: chegada de D. Fernando a Lisboa, a bordo do vapor Manchester, acompanhado do médico Frederico Kessler e do seu preceptor, o teólogo Karl Dietz.

- 9 de Abril: D. Maria II e D. Fernando casam em pessoa.

- Maio: D. Fernando é eleito presidente da Real Academia das Ciências.

- Outubro: fundação da Academia Real das Belas Artes sob a protecção da rainha e de D. Fernando.

- Novembro: Belenzada - tentativa palaciana de golpe de estado, com alegada colaboração de D. Fernando devida à ingerência de seu tio Leopoldo 1 da Bélgica, visando substituir o governo setembrista e eleger um governo cartista.

- Primeira deslocação de D. Fernando às ruínas do Mosteiro da Batalha

1837 - Janeiro: Atentado frustrado contra D. Fernando.

- 16 de Setembro: nasce o príncipe herdeiro, futuro rei D. Pedro V. Conforme o estipulado no contrato matrimonial assinado em 1836, D. Fernando deixa de ser príncipe consorte e passa a Rei nominal. Como previa o contrato, depois de D. Maria II dar à luz o primeiro filho, D. Fernando II viu a dotação que o Estado português lhe pagava passar para o dobro (cerca de 100 contos/ano). O casal régio teve 11 filhos.

1838 - D. Fernando II adquire, em hasta pública, o mosteiro dos monges de São Jerónimo, Nossa Senhora da Pena, na Serra de Sintra, por 600 mil réis. O monarca mostra-se interessado em adquirir o Palácio e a Quinta de Monserrate, negócio que não se concretiza.

1839 - Aquisição do Castelo dos Mouros, na Serra de Sintra.

- Vinda para Portugal do biólogo Friedrich Welwitsch, nomeado director do Jardim Botânico da Ajuda.

- D. Fernando II conhece Alexandre Herculano.

1842 - D. Fernando II nomeia Herculano director das Bibliotecas Reais da Ajuda e das Necessidades, pagando o ordenado do historiador do seu próprio bolso.

1849 - Fim da construção do Palácio-Castelo da Pena, dirigida pelo próprio D. Fernando II e pelo engenheiro militar Barão Eschwege.

1851 - Abril: Golpe político-militar que institui a Regeneração. D. Fernando II lidera a divisão do exército que se desloca até Coimbra para impedir o avanço das tropas lideradas por Saldanha. O monarca ordena o regresso das tropas a Lisboa e evita uma possível guerra civil, mas é acusado de inépcia e falta de coragem pelos sectores mais conservadores.

1853 - Morte de D. Maria II, aquando do seu 11° parto. Começa a regência de D. Fernando II, devido à menoridade de D. Pedro V.

1855 - 16 de Setembro: D. Pedro V é aclamado Rei. Fim da regência de D. Fernando II.

1858 - Devido ao empenhamento de D: Pedro V, é aprovada legislação tendente â criação do Curso Superior de Letras em Lisboa.

- Casamento de D. Pedro V com D. Estefânia.

1859 - Morte de D. Estefânia.

- Chegada ao Porto (Teatro de S. João) da cantora lírica suíça Elise Hensler (futura Condessa d'Edla).

1860 - D. Fernando II trava conhecimento com Elise Hensler no Teatro de São Carlos, em Lisboa.

1861 - Abertura do Curso Superior de Letras em Lisboa.

- Surto de febre tifóide: D. Pedro V morre, e também seus irmãos D. João e D. Fernando.

- Começa o reinado de D. Luís.

1862 - Casamento do Rei D. Luís com D. Maria Pia.

- D. Fernando II recusa a coroa da Grécia.

1868 - Primeiras propostas apresentadas pelo General Prim a D. Fernando para que este aceitasse a coroa espanhola. Fizeram-se tentativas nesse sentido até 1870, mas D.Fernando II nunca aceitou as sucessivas propostas.

1869 - Elise Hensler, ex-cantora lírica do Teatro de São Carlos, é feita Condessa d'Edla por Ernesto II, duque reinante da Saxónia e primo de D. Fernando II. A notícia é recebida com indiferença em Lisboa.

- 10 de Junho: D. Fernando II casa morganaticamente com Elise Hensler, a Condessa d'Edla. Os jornais só foram avisados na noite da véspera. O país fica estarrecido. Vários membros do corpo diplomático em Lisboa, sob influência do Cardeal Orélia, Núncio Apostólico do Vaticano, recusam-se a reconhecer oficialmente a Condessa d'Edla como esposa de D. Fernando II. O casal recolhe imediatamente para o Palácio da Pena, onde passará desde então a maior parte do tempo. Ao passar por Sintra o casal receberá a única manifestação popular de simpatia.

1885 - 14 de Dezembro: Morre D. Fernando II, o Rei Artista, aos 69 anos, tendo passado 49 anos em Portugal. São escassas e tímidas as manifestações públicas de pesar.

- É revelado o testamento de D. Fernando II que deixa todos os seus bens à Condessa d'Edla, incluindo o Castelo-Palácio da Pena.

- A contestação pública às disposições testamentárias generaliza-se. Só Ramalho Ortigão tenta defender na imprensa a imagem de D. Fernando II. As figuras da Condessa d'Edla e de D. Fernando de Saxe-Coburgo são alvos de uma campanha orquestrada de difamação na imprensa.

1929 - 21 de Maio: morre Elise Hensler, aos 93 anos, na rua de Santa Marta, em Lisboa.

  

NOTAS

 1 Estes e outros excertos de cartas de D. Fernando II actualmente pertencentes ao Arquivo Estatal de Coburgo estão publicadas em: Marion Ehrhardt, D. Fernando II - um mecenas alemão regente de Portugal, Porto, Paisagem, 1985.

2 Carlos Santos, 50 Anos de Teatro, Lisboa, 1950, p. 15 .

 

BIBLIOGRAFIA

COELHO, F. J. Pinto, Contemporâneos Ilustres II - D. Fernando II de Portugal, Lisboa, 1878.

EHRHARDT, Marion, D. Fernando II - um mecenas alemão regente de Portugal, Porto, Paisagem, 1985.

EHRHARDT, Marion, «D. Fernando II visto através das suas cartas à família», in Romantismo - figuras e factos da época de D. Fernando II, Sintra, Instituto de Sintra,1998, pp. 9-14.

E.N., O Testamento - artigos publicados por E.N. no jornal «Novidades» a respeito do testamento de Sua Magestade El--Rei D.Fernando, Lisboa, Thypographia das Novidades, 1886.

ESTRELA, Máximo, Perfil da Condessa d'Edla, Lisboa, 1886.

GALVÃO, José, «Uma carta familiar de D. Fernando II», in Romantismo - imagens de Portugal na Europa romântica, Sintra, Instituto de Sintra, 1998, pp. 189-195.

NETTO, Vítor Hugo, «D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha nas cartas familiares de sua nora, a Rainha D. Estefânia», in Romantismo -figuras e factos da época de D. Fernando II, Sintra, Instituto de Sintra, 1998, pp. 15-21.

ORTIGÃO, Ramalho, «O Rei D. Fernando», in As Farpas - o país e a sociedade portuguesa, tomo III, Lisboa, Clássica Editora, 1988, pp. 143-163.

 António Lourenço.

 

"Manifesto pela defesa da beleza de Sintra"

 

Sintra é Património Mundial, Sintra é de todos e deve ser para todos! Não deve ser nem pode ser um negócio de alguns, em contra-natura em relação à essência de Sintra, nem à revelia do interesse geral, que não é só pertença dos sintrenses, mas do próprio povo português.

Sintra é uma das principais salas de visita de Portugal! Quando há visitantes estrangeiros, considerados ilustres ou não, é a Sintra que os levamos para que se extasiem com uma beleza inesquecível!

Sintra para ser Sintra tem que ser diferente da maior parte das outras terras, mas para melhor! Não poderá ser subordinada aos impérios do betão e do automóvel! Betão e automóveis é o que há por todo o lado!

Quando alguém vem a Sintra é para encontrar algo diferente, melhor, belo, mesmo sublime! Algo que também faça sonhar!

Bem sabemos!, que Sintra tem uma orografia e uma disposição no espaço difíceis, mas é assim que ela é e é isso mesmo que a faz bela! Só temos que a viver assim! Não é a natureza de Sintra que tem de ser afeiçoada a nós, pelo contrário, nós é que temos de nos afeiçoar á sua natureza como ela é, seja bravia ou doce , romântica ou bucólica, serena, poética, animada ou silenciosa!

O corpo natural e arquitectónico-paisagístico de Sintra é de uma fina beleza romântica que não lhe permite sofrer grandes feridas, sob pena de ficar gravemente doente e esfeiado irremediavelmente!

Sintra é cada vez mais como um tufo de flores solitárias, no meio de um invasor mato de betão e de automóveis! E Sintra para continuar a ser um belo tufo de flores precisa de ser defendida desse mato invasor, precisa de ser cuidada e não o tem sido!

Muita gente , mais sensível e apaixonada ou mais atenta em relação a Sintra e à sua serra, tem referido, reclamando e mesmo gritando indignadamente, que assim não pode ser! Gente de Cascais, de Sintra, de Lisboa e do resto do país. Artigos têm surgido em vários jornais, regionais e nacionais. Ou é sobre a ruína em que se vai transformando o convento dos Capuchos, ou o longo desamor para com o Chalet da Condessa de Edla, o abandono de muitos parques, nomeadamente o de Monserrate e a construção desenfreada na Praia das Maçãs, Praia Grande e no Abano-Guincho. E também sobre alguns projectos, como o do estacionamento subterrâneo na Volta do Duche...

Querer fazer um enorme muro de betão em pleno coração de Sintra é de uma completa insensibilidade ao que é a essência da beleza de Sintra! Além de mergulhar Sintra em obras infindas, é a beleza arbórea que sofre com um emparedamento que tudo corta, raízes, água, tudo o que faz os equilíbrios sempre muito precários da natureza e sobretudo quando ela é extremamente bela! O Vale do Rio do Porto é ou não é um ­espaço vital do ecossistema da serra e onde parte substancial das suas águas se dirigem?

Então, anos atrás, recusaram o Vale da Raposa, para estacionamento, por razões ambientais, e agora aceitam-no no Vale do Rio do Porto (Volta do Duche), sem se preocuparem absolutamente nada?

Não pensam noutras alternativas? Por exemplo, sob as linhas férreas da Estação da CP? Porque não? A CP tem que pensar também em Sintra e se o "interface" rodo-ferroviário será na portela de Sintra, seria conveniente que a velha estação não perdesse gente nem vida, e estaria igualmente perto da Volta do Duche e da Vila Velha.

E se pensarem bem, porque Sintra merece tudo, pode haver alternativas melhores e até mais baratas. Não façam é um anel de betão sobre o corpo da serra, na Volta do Duche!

Que os comerciantes não se aflijam, a Vila Velha continuará como sempre a ter muita gente a visitá-la e talvez a permanecer mais tempo. Manterá ou melhorará a sua beleza, tomando-se até mais atractiva! As queijadas, travesseiros ou cafés continuarão a ser bastante consumidos, como sempre!! Os turistas dos autocarros continuarão a vir e se possível com melhores programas turísticos. Sintra merece no mínimo, a estadia de mais umas horas, do que o simples vir, vêr o palácio e partir. As louças até poderão ser mais vendidas!

E o fundo da Volta do Duche, será que vais ser transformado num parque de estacionamento definitivo?

Foi bom tirar os automóveis do largo fronteiro ao Palácio Nacional, mas pô-los "definitivamente" no fundo da Volta do Duche, acabou por não resolver bem o problema e nem sequer será uma meia solução...

É desejável que esta vereação tenha bom senso e não embarque em más tentações...

Antes desta vereação já houve dezenas de outras vereações e também houve dezenas de tentações urbanísticas, arquitectónicas e paisagísticas. Algumas se fossem para a frente desfigurariam Sintra para sempre e quase sempre essas vereações souberam dizer não às tentações.

E algumas vereações, tanto no século XIX com no século XX, foram brilhantes na forma, não só como souberam preservar a beleza de Sintra como até a ajudaram a ficar mais perto da perfeição.

Ser moderno e apaixonado em e por Sintra é estar mais próximo possível da essência da sua beleza... E nunca causando-lhe feridas irreparáveis, com construções de betão e invasão de automóveis

Sintra. 5 de Abril de 2000.

Ruivo Geraldes

 

 

Abaixo-Assinado

NÃO À DESTRUIÇÃO DA PAISAGEM

           Os cidadãos abaixo-assinados, preocupados .com o anunciado parque de estacionamento na Volta do Duche, em Sintra, e perante a descaracterização de uma paisagem mundialmente conhecida e classificada pela UNESCO, vêm manifestar o seu profundo desagrado e apelar a quem de direito para a realização de um amplo debate com os moradores, os comerciantes, organismos nacionais e internacionais da área da conservação do património natural e edificado, e com o público em geral, sobre a referida obra e alternativas a propor.

 ( 2003 )

 

 

Abaixo-Assinado

Exmo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra

Ainda hoje a Estefânea conserva uma determinada ambiência Sintrense característica do fim do Século XIX e dos primeiros anos do Século XX, com quintas, chalés, o antigo Casino (hoje Museu de Arte Moderna), Casa Mantero (futura Biblioteca Municipal), Cine Teatro Carlos Manuel (actualmente Centro Cultural Olga de Cadaval) e o Mercado Municipal com belos azulejos. Espera-se que o eléctrico, em breve, possa voltar ao largo Afonso de Albuquerque e que, posteriormente, chegue à Estação da CP e à Vila. Assim os abaixo assinados consideram que, infelizmente, as características do Bairro da Estefânea não foram devidamente equacionadas, quando a Avenida Heliodoro Salgado foi pavimentada com pedra de um cinzento triste, um equipamento de rua mínimo, de pouca qualidade, urna total ausência de árvores, arbustos e flores, tornando esta artéria num local soturno, inóspito e sem vida, pelo que solicitamos a intervenção de V. Exa para tornar esta avenida um local aprazível para os Sintrenses e para quem nos visita.

( 2001 )

 

 

Fotografia de 1964 publicada no Boletim nº15 da Comissão Municipal de Turismo de Sintra

 

 

Em primeiro plano Francisco Neves, da esquerda para a direita Noel Cunha, Gorjão e António José Soares.

 

FÉRIAS EM SINTRA

 

O agradável «court» de ténis no famoso Parque Valenças. - Fotografia de 1962 do Boletim nº6, da Comissão Municipal do Turismo

 

Na mesma estrada (do Duche) por onde continuamos em direcção à Vila, fica-nos à esquerda, fronteiro à Quinta do Duche, o magnífico Parque Municipal, recentemente adquirido pela Câmara para logradoiro público. Foi este parque propriedade do Senhor Conde de Valenças que o herdou de seu sogro, o milionário António Lopes Ferreira Anjos, o qual por sua vez ao Senhor José Carlos O'Neill o adquirira.

O portão senhorial do parque, aberta diante de nós, oferece-nos os tesouros sombrios do seu jardim florido. Faz-se mais denso aqui o arvoredo, sob mais alto o perfil esgalhado das araucárias, é mais profundo o silêncio, onde um estranho mistério paira e se intensifica. Cerca-nos um ambiente de floresta encantada. Por todos os lados se abrem risos vermelhos de begónias. O verde tenro das avencas e dos fetos cresce na orla húmida das fontes, onde a água canta a melopeia eterna do seu fluxo inesgotável. Ao longo das ruas ensaibradas, cómodos bancos oferecem de onde em onde um repouso destinado a embalar na alma do caminhante a tendência lírica para o sonho.

É assim num ambiente destes que apetece para a desfolhar a flor suave da recordação. Olha-se então para atrás e pensa-se nas inúmeras coisas perdidas para lá das horas queimadas que se não refazem - essas doces coisas que deixamos perder na nossa vida sem compreendermos o encanto de viver que com elas nos fugia ...

O parque estende a rama dos seus arvoredos até à estrada que, pela parte de baixo da Fonte da Sabuga desce do Arrabalde para a Vila, terminando na sua confluência com a Volta do Duche, onde se encontra o Palácio Valenças em cujas salas vai ser, ao que consta, instalada uma biblioteca pública. 

Oliva Guerra

Roteiro Lírico de Sintra – 1940

 

  Trocamos o arruado imediato ao portal, um tanto íngreme, pela vereda que, iniciada por cinco ou seis degraus à direita da entrada, faculta uma ascensão suave, e, além de suave. a permitir-nos grande aprazimento, porque no arvoredo que lhe serve de dossel bons solistas executavam concertos caprichosos.. obrigando a suspendermo-nos, e até a ocupar um dos bancos do arruado, para os escutarmos. O melodiar, embora menos variado, afigurava-se ser de rouxinóis, mas certamente que o Sylvia ou Daulias luscinia, ainda não deve ter perdido os velhos hábitos de noctâmbulo...

 

Há uma larga pausa na agradável sinfonia, aproveitada para vagarosamente voltarmos a caminhar pelas áleas acolhedoras, ora amplas, ensombradas de olorosos cedros, ora tamaninhas, coleando por entre labirintos de verdura, sobre ramarias entrelaçando em toldos discretos, conduzindo a recantos cujo esplêndido isolamento apenas é quebrado pelo murmúrio da água despenhando-se em pequenos tanques.

 

É de preferência nestes lugares de enlevo que mais hospitaleiramente os bancos convidam ao repouso do corpo e àqueles esquecimentos deliciosos que tão propícios se tornam aos arroubamentos das almas contemplativas, e até àquele doce embevecimento dos corações enamorados.

 

Nem só a quietude, porém, é apanágio deste lugar idílico. Pratica-se aqui o desporto elegantíssimo do ténis, e há um campo de patinagem, no qual frequentemente se realizam desafios de hockey em patins. E, além, sob aquelas árvores que amorosamente enchem de amenidade uma larga e elevada esplanada, há balouços, entretenimentos articulados, danças, jogos, folguedos em que graciosos botões de carne andam em contínuo vaivém, que lhes carmina as rosadas faces, os faz gritar de entusiasmo. É o parque infantil.

 

M. Costa Ramalho

Guia de Portugal Artístico - 1945

 

A convite da C.M.S - Pelouro do Ambiente, a Associação de Defesa do Património de Sintra elaborou esta memória sobre o Parque Municipal.

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