Associação de Defesa do Património de Sintra

APARTADO 1017 – Sintra Vila 2711-801 SINTRA

 

PATRIMÓNIO – O QUE É?

 

Através dos tempos, o homem teve a noção de que trabalhava para o futuro. Através dos tempos, também, ele foi acumulando experiência e meios, num conjunto de realizações a que chamou património, ou seja conhecimentos e obras legadas pelos pais aos seus sucessores.

Este património é, por um lado constituído por conhecimentos, seja empírico seja científico, sob todas as formas, desde os altos níveis de especulação pura até ao dia-a-dia, de chamada «categoria popular» e, por outro lado por obras – nada do que o homem fez sobre a terra deixou de imprimir nela um sinal.

Estas obras condicionaram e condicionam ainda o evoluir do homem, constituindo aquilo a que modernamente se dá o nome de quadro de vida de um grupo social, modelando todo o seu sistema de referências, todos os padrões de apreciação da realidade exterior e constituindo, com os conhecimentos legados, aquilo a que chama vulgarmente Cultura. Cultura é efectivamente o património de uma sociedade determinada. Esta é uma noção de património que implica uma concepção dinâmica e não estática do mesmo, visto que a cultura de um povo é um património em permanentemente mudança.

Não é do século XX, é dos primórdios da vida humana a noção de obras como sinal perente de intervenção do homem no espaço cultural-espaço ocupado por uma cultura, ou seja, o espaço físico que serve de suporte às realizações de um grupo social determinado, num dado tempo. Será no entanto, só deste século o reconhecimento de que a obra é um todo, que exprime um contexto social e que não é dissociável em partes de maior ou menos valia, sob a pena de perder parte ou mesmo a totalidade do seu sentido cultural.

Esta concepção, digamos colectiva, de obra, opõe-se à concepção do romantismo que, ferozmente individualista, entronizara o Monumento como expressão máxima, momento individual de expressão perfeita das concepções da sociedade, por si só um valor, ou mesmo o único valor cultural que interessava preservar. Podemos pois, dizer que o esforço de preservação do património é um esforço de sempre. Graças a ele, podemos ainda hoje contactar com obras que têm milénios de idade, e que nos ajudam a melhor compreender os diversos caminhos trilhados pelas diferentes culturas humanas, tão diferentes e no fundo tão idênticas, permitindo um esforço de compreensão e facilitando as relações entre os homens. No entanto, têm variado muito as concepções de património e as concepções sobre a sua defesa. No século XX assistimos ao nascimento de uma noção de património, que, como já dissemos é globalista.

Em Portugal, a partir da segunda metade do século XIX, e por acção de D. Fernando, marido da rainha D. Maria II, alemão embuído de uma cultura romântica onde os vestígios medievais mereciam um culto entusiástico, iniciou-se o estudo do nosso património. Deste esforço nasceu uma política de defesa desse património que se foi estruturando à volta da noção de monumento nacional, classificação atribuída a algumas obras que se consideram representarem a expressão máxima da nossa cultura. Infelizmente, essa é ainda a noção de protecção que perdura, embora comecem a surgir outras.

Entretanto, o património começa a impor-se a nível mundial, como um dos grandes problemas a enfrentar nos próximos anos. A ameaça de destruição total é neste momento de tal maneira evidente que se sucedem as iniciativas das várias organizações mundiais e europeias para estudar o problema e tentar resolvê-lo. Todo este movimento culmina na organização, pelo Conselho Europeu, do ano do Património Arquitectónico Europeu em 1975, que não teve em Portugal o eco necessário, por razões óbvias, e na realização pela Unesco em 1976, no Congresso de Varsóvia, de onde saiu uma recomendação sobre património, sua protecção e defesa, que foi adoptada em Assembleia Geral por todas as nações que fazem parte deste organismo, e entre elas, Portugal, que também estava presente no Congresso. A razão destas preocupações é evidente. Assiste-se, por todo o lado, à destruição sistemática do espaço cultural em nome da necessidade de produzir, e, como vimos o Espaço Cultural é o suporte e o gerador de cultura que nele se implanta.

O homem começa a ter a noção de que só vale a pena construir em terreno sólido e que este terreno é constituído para cada sociedade pelos parâmetros da sua cultura própria.

Também do ponto de vista económico, se tem chegado à conclusão que não faz sentido destruir um enorme capital acumulado por sucessivas gerações em construções e infra-estruturas que oneram brutalmente todo o sistema económico. É preferível aproveitar o que existe, ainda que adaptado a novas necessidades.

A era eufórica do capitalismo selvagem, da civilização do lixo e do desperdício está a chegar ao fim. O homem toma consciência de que os seus recursos são limitados e o seu planeta finito.

O problema da defesa, protecção e conservação do património é um problema nacional. Um problema que implica com a vida de todos nós. Um problema que pode condicionar o nosso quadro de vida para todo o nosso futuro de maneira irremediável, se não for estruturado a tempo e resolvido.

 

Extraído de «Salvaguarda do Património Colectivo» de J.M Caldeira Cabral in Natureza e Paisagem – n.º4

 

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