Associação de Defesa do Património de Sintra

 

No rasto da História, dos locais e das pessoas

 

Começo por agradecer o gentil convite que me foi feito, pessoalmente, pela combativa e entusiasta defensora do património Adriana Jones, para falar um pouco das histórias da História do nosso concelho de Sintra. E, nessa curta troca de impressões definimos, também, a área territorial, o assunto e o título desta pequena contribuição para tão digna comemoração de vinte cinco anos em defesa do património de Sintra.

 

No rasto da História, dos locais, das pessoas! Podem acreditar que este título é tão conciso e sugestivo, quanto o trabalho que se desenvolve nos "terrenos férteis", a Leste e Sul, do termo do nosso concelho.

 

Vamos, então, ao primeiro rasto! -O da História.

Quando, em 1978, os jovens arqueólogos do então Gabinete de Estudos e Prospecções Arqueológicas de Oeiras e Amadora descobriram a estação arqueológica romana da Quinta da Bolacha, na Falagueira, deu-se o primeiro passo na caminhada no rasto do traçado da grande via romana que, partindo de Olisipo, atravessava o território da Amadora, o Leste, Centro e Norte do concelho de Sintra, em direcção a Torres Vedras (BYRNE,1993,pp.41-45). Precisamente, ao longo desta via e das vias vicinais derivantes encontramos inúmeros vestígios arqueológicos romanos. Cito, arbitrariamente, os mais conhecidos: Suímo, Colaride, Cabanas de São Marcos, Granja de Santa Cruz e Granja dos Serrões.

 

Qualquer destas estações arqueológicas são importantes, Porém, destaco pelos valores arqueológicos e acervos documentais escritos procedentes, duas delas: Suímo e Granja de Santa Cruz. No primeiro caso, o Suímo, ficamos a saber pelo punho Plínio-o-Velho (GUERRA,1995,p.140) que se exploravam ali "Carbunculus" isto é: as famosas piroxenas de Olisipo. A fama destas pedras semipreciosas continuaram nos escritos dos geógrafos árabes que as referem, sistematicamente, bem como o lugar da sua exploração, desde o século X até ao século XII. O segundo caso, Granja de Santa Cruz, fornece-nos um valioso conjunto de monumentos epigráficos romanos, de cariz fúnebre, bem como um significativo acervo documental escrito, constante das colecções do Convento de Santa Cruz de Coimbra, ao qual esta extensa propriedade foi doada, pelo nosso primeiro rei, após a Reconquista Cristã de 1147. Nesse espólio documental em que alguns documentos permanecem inéditos ou pouco conhecidos, encontramos preciosas informações para a História Local, nomeadamente da Freguesia de Algueirão -Mem Martins.

 

Vamos, então, ao segundo rasto! -O dos Locais.

No "Livro da Fazenda e Rendas da Universidade de Coimbra, em 1570", coligido por Simão Figueiró e publicado por Rocha Madahil (MADAHIL,1940, pp.291-297), encontramos um conjunto de propriedades e localidades que, desde os tempos da Reconquista, pertenciam ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e que, por decisão régia, em 1570, passavam para a posse da Universidade. Na sua maioria, estas localidades e propriedades situam-se no termo da actual Freguesia de Algueirão - Mem Martins. Aliás, da leitura atenta desta documentação e de outras anteriores, temos a convicção que a génese de localidades como: Pexiligais, Recoveiro, Baratã, Quarteiras, Coutinho Afonso, Escusas e Mancebas etc., etc., têm não só a sua origem, por um lado, em regimes jurídicos de exploração das terras como, por outro lado, correspondem aos assentamentos humanos antigos, como em outras regiões, estimulados por "cartas" de assentamento de povoamento outorgadas pelo Mosteiro de Coimbra. Futuras pesquisas e leitura do vasto acervo documental deste convento confirmará, ou não, estas hipóteses por nós avançadas.

Para já, o estudo toponímico da região sai, em muito, valorizado pelas constantes citações documentais, por vezes com corruptelas, de várias localidades. Mas, as maiores informações, na nossa perspectiva, estão nas informações de confrontações de propriedades e de proprietários. Nestes últimos reside, afinal, o maior interesse pois reportam-se a gente que, como nós, por aqui andaram e residiram na maioria dos casos.

 

Finalmente, no rasto das pessoas!

Tenho para mim que, a História é a mais humana das ciências da Humanidade. A plenitude desta afirmação atinge-se quando a História se focaliza no indivíduo, com todas as suas grandezas e misérias, com todas as prerrogativas de ser, simplesmente, um de entre muitos outros humanos.

O que sabemos nós de pessoas, antanhas e actuais, desta freguesia?

Sabemos que desde os tempos remotos do Paleolítico Médio o Homem por aqui viveu. O saudoso professor Joaquim Fontes, na sua vertente de arqueólogo, deixou-nos bastantes informações sobre o assunto, pois descobriu várias estações arqueológicas. Eu próprio localizei, também, vestígios de ocupação humana de várias etapas culturais da nossa Pré-História.

Porém, o que individualiza é o nome próprio, depois do nome de família. Os primeiros de que temos conhecimento são do período áureo da Romanização: Estácio Máximo, da tribo Galéria,filho de Marco e L [úcio] CASSI FAUSTI. Destes dois indivíduos conhecemos bem o segundo: foi um grande proprietário de terras, a sua Villae estendia-se por todo o Vale da Granja e manteve-se na gens durante bastante tempo, segundo apuramos da leitura dos seus monumentos funerário.

Mais tarde, na época da Reconquista, surgem outros nomes citados como legítimos possuidores de herdades no termo da freguesia, são eles: Ioannes Ramiri, Petro Pequeno e Martino Scorzo. Em comum o facto de serem vizinhos de uma grande herdade, o Prazo de Meleças, doada por Afonso Henriques ao Convento de Santa Cruz de Coimbra. Para uma grande instituição uma grande doação; o Prazo de Meleças é a mesma herdade que, na época romana, pertencera aos Cassio Destas três personagens pouco ou nada sabemos. Contudo, o Martino Scorzo aparece como o proprietário da herdade que confinava com o Prazo de Meleças a ocidente. Localização que corresponde na actualidade aos Casais de Mem Martins. Podemos, portanto, estar em presença do primeiro "elo" da família Martinense. Como todos sabemos na melhor tradição latina, coeva, os filhos de Martinho são Martins; os filhos de Rodrigo são Rodrigues etc., etc.

Outros nomes são, no século XVI, referenciados no numeroso acervo documental escrito centrado neste Prazo de Meleças (MADAHIL, 1940, pp.291-297): João Dias Recoveiro, Jorge Brás, António Fernandes, João da Mata, Jorge Eanes, Álvaro Eanes, Manuel Roiz, etc., etc. Destes nomes, pessoas que trabalhavam as terras e exploravam engenhos de moagem, assinalo a importância de Jorge Eanes que tinha como tarefa adicional ser Juiz Vintaneiro, seguramente, da Vintana do Sabugo. Também são conhecidos nomes de nobres: D. António Conde de Linhares, D. Violante Condessa de Linhares, a que foi o grande amor de Camões como todos sabemos.

Na lenta, mas inexorável, marcha do Tempo e da História outros nomes se ligam à freguesia. Nomes de poderosos, nomes de gente simples. No Século XVIII um nome é sonante: José Sebastião de Carvalho e MeIo; a par deste, um nome de seareiro, profícuo no seu trabalho: José Francisco (FONTES,1943,pp.291-312). Este lavrador de rija têmpera explorava várias terras no termo actual da freguesia do Algueirão, conhecemos a sua actividade pelos registos por si efectuados, em caderno, com datas anteriores e posteriores ao Sismo de 1755.

No século XIX, época atribulada politicamente com várias acções militares e os primórdios da industrialização, estão referenciadas várias deslocações populacionais, nomeadamente, do interior do País para a região Saloia a par da fixação de proprietários de origem estrangeira, nomeadamente de ingleses. Esta fixação populacional heterogénea tem grandes impactos culturais, particularmente elucidativos na onomástica e onomatopeia local. Aparecem então nomes como: Van-zeler, Secott, Bento Menni e José Lopes Miranda que, a par de outros bem mais antigos na região, passam a marcar a História Local.

Na primeira metade do século XX, outras personagens importantes se fixam no actual termo da freguesia. Ligados ao meio intelectual de Lisboa, a uma burguesia endinheirada, surgem os artistas plásticos, os poetas, os actores e os cientistas. São nomes sonantes ainda Hoje: Anjos Teixeira, Chaby Pinheiro, Domingos Saraiva, Max, e o grande Joaquim Fontes. A par destes, outros nomes desenvolvem trabalho que, em si mesmo, são uma abundante fonte de História Local: Artur e Crespim Lopes Miranda, Manuel Conde e Joaquim Rodrigues. Depois é toda uma população que, em salutar anonimato, "fabricou" a Freguesia que hoje somos, para o melhor e o pior. Desse povo laborioso, saloio ou não, destaco um nome: Joaquim Daniel. Saloio dos quatro costados; último lavrador do concelho de Sintra com juntas de vacas que, do alto pedestal dos seus noventa anos, é em si mesmo uma lição de história da vida antanha.

 

Rui Oliveira, 2006

 

Biografia:

BYRNE, I. Nadal de Sousa, 1993, « A rede viária da Zona Oeste do Município Olissiponense (Mafra e Sintra»>, Al-Madam, série ll, nº. 2; Centro de Arqueologia de Almada, pp.41-45.

 

 FONTES, Joaquim, 1943,« Mem-Martins, notas históricas e etnográficas", Estremadura, Boletim da Junta de Província, série ll,nº. III, Lisboa, pp.291-312.

  

GUERRA, Amilcar,1995, « Plínio-o-Velho e a Lusitânia »,in: Arqueologia e História Antiga I, ed. Colibri, F.L.L., Lisboa, p.140.

 

MADAHIL, António Gomes Rocha, 194O, « Livro da Fazenda e Rendas da Universidade de Coimbra em 1570 », ed. Universidade de Coimbra, pp.291-297.

 

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